Nunca
Nunca um ser humano foi destinado a sofrer
Tanto como a minha pessoa
Toda uma existência desprovida de prazer
E de tudo o que é coisa boa
Desde criança, subnutrido
E aos predadores da selva remetido
Sem condições mínimas de higiene
Tomar banho sem Pantene
Ter um prato de cherne
Para uma família de oito
E estar exposto à noite
A mil picadas de mosquitos
Que matam sem pruridos
Com doenças desconhecidas
Tudo isto são problemas
Irrelevantes
Quando eu nem tenho um iPhone.
Quando passeio na rua
E vejo uma situação invulgar
Passa uma mulher toda nua
Como é que eu a vou fotografar?
Pedi uma Xbox no Natal
Como uma criança normal
Mas com requintes de malvadez
Os meus pais deram-me
Uma Playstation 3
O que importa não tomar banho
Ou ter de beber àgua do mar
Quando o meu ambiente de trabalho
Demora dez minutos a arrancar?...
E um dia, se quiseres
Confirmar a minha tese
Experimenta viver neste frete
Ignorado pelas mulheres
E, ainda, por mais que reze
Deus não me dá um tablet
Eu quero um iPhone
Dêem-me um iPhone
Os meus colegas têm às centenas
Eu quero um iPhone
Preciso de um iPhone
Para... fazer...
Cenas
Para fazer cenas variadas!
E quem quer saber da SIDA
E das milhões de mortes que traz
Quando nenhuma dessas vidas
Posso gastar no Candy Crush
Pobreza há em todo o lado
Se a gente estiver atenta
Se eu não fosse afectado
A minha net não era lenta
E para quem quer lançar um alerta
Por tudo aquilo que África é
Pois eu digo-lhe: os direitos humanos são uma treta
Ainda ontem paguei 1€ por um café.
Eu quero um iPhone
Dêem-me um iPhone
Para tirar selfies ao meu umbigo
Eu quero um iPhone
Preciso de um iPhone
Já que não tenho amigos
Quem sempre teve um iPhone
Que não se pronuncie sobre o tema
Que não me venha criticar
E que comigo não reclame
Porque quem passou fome
Nunca teve o dilema
De não poder publicar
A sua comida no Instragram.